Arqueologia de gaveta
09:30 Aeroporto Charles De Gaule, Paris

20:00 Aeroporto Antônio Carlos Jobim, Rio de Janeiro


Cheguei à casa da minha infância. De volta aos meus pais. De volta ao meu país.

Pousar traz um alívio. A minha terra não acabou quando saí. Aterriso nela. Ela repousa em mim.

Sair do avião é mergulhar no Rio. Passar a vibrar ao som do calor, de um calor bem familiar. Abraçado, sigo minha chegada.

Minha mãe me espera. Pai está gripado, não pode vir. Mas a família toda, cada um, cada memória boa e outra: abraço todas elas nela, na minha mãe que me espera.

No taxi começam as curvas. Do rádio, das ruas, dos morros, de repente uma rápida à esquerda. Descemos do viaduto, atravessamos os túneis.

Prédio, porteiro, porta. O pai, gripado, me espera. A casa está completa.

No quarto, a arqueologia das gavetas. Como guardar as novas roupas se tudo aqui já está guardado: a carteira de identidade passada, o aparelho de dente, as figurinhas, os óculos, as notas da escola, as notas.

O novo ficará na mala, é passageiro.
Arqueologia de gaveta
Às vezes, serás apenas arte

Ontem passei a tarde vendo videos com meu pai
Meu pai é uma mediateca
A casa sempre teve sala, quartos, banheiros, cozinha
e biblioteca
A biblioteca do meu pai
Mais do que em qualquer lugar, dentro ou fora da casa
É lá onde ele sempre mais gostou de estar

Saindo de Minas com apenas uma mala,
Metade do guardado eram livros
A maior parte do peso

Com o tempo, aos livros juntou discos
Aos discos, videos
Aos videos, arquivos
Fotos, docs,
Uma verdadeira mediateca de alfarrábios

Ontem lá, ele cantarolou Mercedes Sosa
E esse encontro improvável aconteceu
Eu, ele e Mercedes Sosa
Também Chico, Milton, Caetano e Gal

Rimos, cantamos
E ele chorou ao reviver
O tempo desta musica
As lutas que ela animava

Hoje, quem choro sou eu
Ao lembrar dele ao lembrar